quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Enfrentar a culpa


O que é a culpa?

O dicionário diz-me que a culpa  é tanto a responsabilidade por um acto repreensível ou criminoso como a consciência dessa responsabilidade, que resulta em arrependimento ou remorso. A culpa tem, portanto, duas vertentes, uma mais neutra ou racional, que é a assunção do acto por parte de quem o  cometeu ("fui eu e assumo o que fiz"), outra mais emocional, marcada pela negatividade dos sentimentos que essa responsabilidade acarreta: "estou arrependido ou envergonhado pelo facto de o ter feito".

Há tempos, escrevi uma breve reflexão sobre o arrependimento e a vergonha. Nunca me ocorreu, nesse texto, referir-me à culpa e, há dias, apercebi-me desse facto e fiquei intrigada: por que motivo é que, inconscientemente, deixei de fora a noção de culpa? Terá sido apenas porque, para mim, a culpa não é mais do que a junção entre o arrependimento e a vergonha decorrentes da assunção de um acto condenável, e por isso a referência a essa palavra em particular era dispensável, uma vez que lá estão as outras? Ou será que evitei falar de culpa porque lido mal com ela?

Curiosamente, agora sinto-me de certo modo culpada por ter deixado de fora a questão da culpa...
No tal texto, comecei por admitir que me importam sobretudo as coisas de que me envergonho, quando penso em tentar melhorar a pessoa que sou. Ora, manifestar este sentimento é admitir que os actos de que me envergonho me incomodam, mas não é bem a mesma coisa do que dizer que me sinto culpada pelo que fiz. Tenho vergonha porque sei que são condenáveis, isto é, atormenta-me a ideia de ser julgada pelos outros. Mas sentir culpa seria mais forte e consequente, até porque os outros só virão a julgar-me quando e se vierem a saber o que eu fiz. Sentir culpa é julgar-me a mim própria, antes mesmo que os outros o façam. É mais do que dizer "sinto vergonha ao pensar no que os outros diriam se soubessem". Quem sente culpa assume desde logo o papel de juiz e auto-condena-se sem rodeios: "sinto vergonha de mim, independentemente do que os outros diriam".

Aí está, talvez, a razão por que eu não fui capaz de falar de culpa: tenho dificuldade em julgar-me, em avaliar moralmente os meus actos. E isto revela, provavelmente, alguma falta de maturidade. É muito mais fácil sentir vergonha pelos nossos actos apenas na medida em que os outros nos condenariam - apenas no caso de virem a saber o que fizemos. Trata-se de uma vergonha superficial, ou de uma "culpa cosmética", de fachada. A verdadeira culpa, em relação à qual admito ter alguma resistência, obriga-me a ter a decência de não ficar à espera da intervenção dos outros para aplicar à minha conduta a moral social pela qual escolhi reger-me. Sim, porque a moral pode ser social, mas tem de ser assumida individualmente para poder dar lugar à culpa, que acaba por ser um sentimento nobre ao qual só acedem as pessoas decentes ao ponto de levarem a moral às últimas consequências.

Na verdade, quem não sente culpa também não tem o direito de se dizer envergonhado pelo que fez. Porque de nada serve a vergonha, se for apenas sentida perante os outros, e não perante o próprio.






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