Poema do gato
Quem há de
abrir a porta ao gato
quando eu
morrer?
Sempre que
pode
foge prá rua
cheira o
passeio
e volta pra
trás,
mas ao
defrontar-se com a porta fechada
(pobre do
gato!)
mia com
raiva
desesperada.
Deixo-o
sofrer
que o
sofrimento tem sua paga,
e ele bem
sabe.
Quando abro
a porta corre pra mim
como acorre
a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao
colo e acaricio-o
num gesto
lento,
vagarosamente,
do alto da
cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me
e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos
semicerrados, em êxtase,
ronronando.
Repito a
festa,
vagarosamente,
do alto da
cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta
as maxilas,
cerra os
olhos,
abre as
narinas,
e rosna,
rosna,
deliquescente,
abraça-me
e adormece.
Eu não tenho
gato, mas se o tivesse
quem lhe
abriria a porta quando eu morresse?
António Gedeão (de Poesia Completa)
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