sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O meu lápis


Pasme-se: o lápis de carvão que uso habitualmente anda comigo desde os anos 80.

Nunca tinha pensado nisso, até ao dia em que as alunas de uma turma se riram e começaram a tecer comentários sobre o lápis da professora, acabando por sugerir que me poderiam oferecer um lápis novo. Sim, o meu lápis é velhinho e encardido. É pequenino e tem desenhos de ursinhos sobre um fundo vermelho. Não tem propriamente mau aspecto, acho eu, nem é esquisito, nem me passaria pela cabeça pensar que o meu pobre lápis chama a atenção de alguém. Mas pelos vistos chamou. Porque será?

Talvez seja porque não se coaduna com a minha idade nem com a minha posição. É demasiado infantil, humilde, e claramente ultrapassado. E é um objecto demasiado barato para que alguém hoje em dia, na nossa sociedade, não se apresse a trocá-lo por outro com melhor aspecto, mais digno e actual. Se as minhas alunas virem o meu telemóvel também se riem de certeza - mas provavelmente acham mais normal eu não o trocar por um mais moderno por causa do preço. Agora um lápis...! Que raio de desculpa pode ter uma pessoa normal para andar há décadas com o mesmo lápis?
Aliás, devo admitir que até tenho uns quantos lápis novinhos em folha guardados num armário lá de casa. Isso deve tornar ainda mais incompreensível o facto de eu não mandar para as urtigas o meu velho lápis dos ursinhos. Ou então serve para confirmar que a minha opção só tem um motivo, ou melhor, dois em um: a caturrice, aliada à carolice, a que se poderia dar o nome de "caroturrice", ou de "caturrolice". Sou caturra porque sou teimosa, insisto em continuar a ser fiel a um mísero lápis encardido e fora de moda. Sou carola porque a minha opção é genuinamente entusiasta, mesmo devota. Quanto mais os outros desprezam o meu lápis, mais ele me parece digno de compaixão e respeito.
Mas agora, tentando falar a sério e de forma minimamente objectiva: a que propósito é que eu haveria de substituir um lápis que cumpre perfeitamente a sua função (escreve), independentemente do seu eventual valor sentimental? Só porque os outros vão rir e comentar que aquele lápis precisa de ser substituído? Porque é um sinal de teimosia esquizofrénica não o fazer?
Sempre me pareceu sensato evitar o desperdício. E sempre me pareceu idiota a ideologia do descartável, que é altamente nociva para o ambiente. «Mas é só um lápis, caramba....» - ouço alguém dizer. Sim, provavelmente até é biodegradável e tudo. É apenas um lápis. Ainda assim, apego-me a ele com afectividade teimosa, não tanto por uma questão de princípio conscientemente assumido, mas de uma forma que, até ter pensado nisso, era simplesmente natural, espontânea, inconsciente.
Talvez haja uma tendência irracional em mim para animizar certos objectos com os quais tenho um contacto mais próximo ou significativo (como são os objectos usados para escrever, actividade que eu prezo acima de quase todas). Penso no lápis como num ser vivo: que mal fez ele, coitadinho, para eu o deitar fora, só porque é velho? Como se o desgraçado tivesse sentimentos...
Porém, se calhar a coisa explica-se de outra forma: há em mim uma forte nostalgia pela infância, por essa felicidade tanto mais intensa quanto se perdeu para sempre e cujas emoções, sabores, aromas e  imagens às vezes consigo recuperar parcialmente, graças às esquivas possibilidades, que ainda assim vão surgindo, de lembrar, sentir, tocar ou saborear certos lugares, sentimentos, cheiros ou objectos que evocam esses tempos áureos da minha vida. E o lápis é um deles. Quando lhe pego, é como se se soltassem uns pozinhos mágicos que discretamente me permitem recuperar o gosto dos anos 80 e a essência de quem eu era nesse tempo de inocência e alegria.
As alunas que continuem a rir... como poderão elas perceber?
Meu querido lápis, obrigada por me permitires andar com um pouco do meu passado dentro do estojo.





1 comentário:

Vida de Praia disse...

Eu também uso sempre os meus lápis até serem tão pequeninos que já não os consigo segurar ;-)