segunda-feira, 11 de julho de 2016

Livros demasiado bons



   Os livros "demasiado bons" assustam-me um bocadinho.
   A princípio são só belos e atraentes, cativando-me de forma insinuante, conquistando-me com uma escrita original e intimista, como se conseguissem falar-me ao ouvido através das palavras dispostas nas páginas, levando-me a querer acreditar que elas foram escritas só para mim. A sensação é boa, como um dia passado tranquilamente numa praia bonita, com a quantidade certa de brisa, calor Q.B., o mar à temperatura ideal, a ondulação adequada ao meu estado de espírito e pessoas apenas ao longe, emudecidas pela distância. À semelhança dos momentos passados nessas praias, as horas passadas a ler livros muito bons fazem-me sentir profundamente feliz e grata por ter sido contemplada com a sorte que me calhou e com a capacidade para a apreciar.

   Mas depois os livros demasiado bons tornam-se intensamente entusiasmantes, arrastando-me para dentro deles sempre que os abro. O poder das descrições sugestivas, das análises inteligentes, das sínteses lapidares e das provocações inspiradoras torna-se tão forte, que me obriga a deter-me, a interromper a leitura sob pena de sentir frustração por não ser capaz de reter tudo. É como se a forma como a história é contada me envolvesse numa vertigem inebriante cuja magia me fizesse levitar para longe de todas as referências seguras, como se o conteúdo do livro, prenhe de sentidos e de ressonâncias, fosse demasiado denso e amplo, ameaçando ocupar-me a cabeça por completo, sem deixar espaço para outros pensamentos.
   Tenho de parar de ler, como quem para de beber álcool quando percebe que está perto de perder os sentidos, de resvalar para um lado da vida em que se deixa de ter controlo sobre o que se faz e quem se é. Fecho o livro e exploro a capa e a contra-capa agora sem medo, porque fechado ele é inofensivo. Mas o sortilégio é demasiado forte. Mais tarde ou mais cedo, sei que não vou conseguir resistir. Preciso de o ler mais para desfrutar dessas emoções avassaladoras, para alimentar o espírito, para me sentir viva através desse enérgico pulsar de outra consciência dentro de mim. E o livro volta a animar-me, a provocar-me o intelecto, a ensinar-me outras formas de ver o mundo, a revelar-me coisas desconhecidas, a desafiar-me a escrever também. A dádiva é imensa, o pobre desconfia. O que queres de mim em troca, livro meu?
   O livro diz que não quer nada de mais, ora essa. Só quer que eu o aprecie, que o devore, que o recomende depois, para ser devorado por mais gente, tanta quanto for possível. E no entanto, sinto que ele me rouba um belo pedaço de consciência enquanto não o acabo. Os programas, os encontros com amigos, as conversas que eu possa ter durante o tempo em que o livro está vivo em mim tornam-se menos interessantes, parece que tudo cá fora fica a preto e branco, enquanto o mundo dentro do livro se me oferece em cores vivas. Impaciento-me em todas as situações que me fazem protelar os momentos de leitura. Não quero conversar, a menos que seja sobre ele, o livro que estou a ler. Suavemente dominador, o livro pisca-me o olho e aguarda, com paciência, porque sabe que não terá de esperar muito tempo. É como se eu lhe pertencesse, em vez de ele a mim.
   É por isso que os livros demasiado bons me assustam um pouco, apesar de me encantarem muitíssimo.
 

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