sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O macho


Seguia eu pela beira da estrada, empurrando o carrinho com o Martim, perto de um descampado, quando reparei num homem, uns metros à frente. Não havia mais ninguém por perto e ele parecia hesitar entre atravessar a estrada (havia um único carro encavalitado no passeio, do lado contrário, que devia ser dele) e ficar onde estava. Pela postura dele, pareceu-me que estava à espera de que eu me aproximasse, antes de se ir embora. Iria meter conversa comigo? Iria meter-se comigo? Tentei imaginar que palavras ele eu eu poderíamos trocar, enquanto me aproximava.
«Uma cobra! Já viu?» - interpelou-me o homem, assim que cheguei perto dele.
Olhei para o lado de dentro do passeio, onde uma cobra com cerca de um metro jazia inerte, suspensa num movimento ondulante, a cabeça ensanguentada.
«Coitada, também não fazia mal a ninguém» - comentei, sem parar de andar.
Quando eu já estava de costas para ele, o homem respondeu em tom genuinamente surpreendido:
«Ai não?»
E eu murmurei, sem que ele me pudesse já ouvir:
«Muito pior fazemos nós...»
Será que este homem se acha muito macho, porque saiu do carro para matar uma cobra? Quis ele mostrar-me a proeza porque esperava ouvir um elogio à sua coragem, um agradecimento por ter tido aquela iniciativa que me poupou à nefasta experiência de encontrar o bicho no caminho?
Talvez outra mulher, que não eu, tivesse reagido como ele esperava. Mas nestas situações, não posso evitar sentir pena pelo animal indefeso, e desprezo pelo humano assassino. E imagino sempre o que seria, se os animais pensassem sobre estes assuntos e andassem para aí a matar gente de forma indiscriminada, só porque algumas pessoas "mordem"...


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