sexta-feira, 25 de julho de 2014

Dar a volta às birras

As birras das crianças são motivo de desespero por parte de muitos pais, sobretudo dos que têm dificuldade em lidar com essas situações, sentindo-se impotentes perante a teimosia cada vez mais autoritária dos filhos. Naturalmente, quanto maior é a insegurança demonstrada pelos pais, e quanto menor é a capacidade para se imporem, maior é o espaço de manobra que os meninos e meninas vão conquistando - até que os papéis se invertem completamente, como naquele caso em que o rapazinho se atirou para o chão e, quando a mãe lhe pediu que se levantasse para se irem embora do parque, ele respondeu, seguro e irónico: «só se disseres por favor!».

Os meus filhos nunca fizeram dessas birras terríveis, de se atirarem para o chão a gritar ou a chorar. Mas não é por eu ser uma óptima educadora, firme e segura. Confesso que sou mole e incoerente, o que me revolta interiormente, porque sei que podia educá-los muito melhor se soubesse impor-me com mais firmeza e autoridade. Mas não sei. O que sei é levá-los na minha conversa e, com ela, evitar que façam cenas lamentáveis em locais públicos ou privados. Acho que sempre consegui evitar que eles chegassem a extremos de má educação (apesar de serem mimados talvez de mais) sobretudo por uma questão de imaginação e capacidade retórica. E é porque encontrei essa outra "arma secreta" contra as birras que venho deixar aqui algumas sugestões para quem as achar úteis.

Como se sabe, os primeiros contactos dos bebés com a língua materna tornam-nos desde logo muito sensíveis ao que ouvem. Desde os primeiros meses de vida que as crianças conseguem discernir os sons da língua que virão mais tarde a falar, e as primeiras atribuições de sentido que conseguem dar à fala estão relacionadas, essencialmente, com a entoação. Qualquer pessoa pode comprovar isto se falar de forma suave e melodiosa com um bebé de 4 ou 5 meses. Não importa o que disser, pode até chamar-lhe nomes feios: desde que utilize o tom característico do "maternalês", o bebé sorrirá de satisfação. Pelo contrário, se lhe atirar elogios de forma brusca, num tom de voz autoritário e zangado, o bebé ficará assustado e inseguro, talvez até comece a chorar. O significado das palavras é para ele desconhecido, mas a entoação não.
Por isso, a entoação tem um poder comunicacional muito forte junto das crianças. Se começarmos a falar com elas num tom de voz agradável, cativando a sua atenção para uma eventual história que prometemos contar, ou para uma revelação interessante que estamos prestes a fazer, o mais provável é que elas suspendam a sua actividade (seja uma brincadeira ou uma birra) e fiquem mais interessadas em ouvir o que temos para dizer. Esta é, portanto, a primeira parte do meu truque.

A segunda parte, que tem de entrar em acção quando já consegui a atenção da criança, implica ter, de facto, algo suficientemente interessante para contar que a mantenha atenta. Se não for capaz de inventar uma história intrigante, ou de lhe propor uma actividade surpreendente e divertida, ela irá desinteressar-se da conversa e retomar o que estava a fazer. Por isso, é preciso capacidade retórica e imaginação. A retórica (e também sensibilidade e conhecimento sobre os gostos da criança) implica usar as palavras certas e fazer render a conversa durante o tempo que for preciso. A imaginação faz com que o conteúdo seja realmente interessante. Na maior parte dos casos, contar uma história é menos eficaz do que propor-lhe que, quando chegarmos a casa, iremos fazer algo muito giro, que é surpresa. Esta promessa resulta muito melhor, sobretudo quando contarmos histórias já se tornou banal.

Ora, se fizemos essa promessa, é claro que teremos de a cumprir. Assim, se o que pretendemos (como acontece tantas vezes) é tirar a criança do parque infantil, onde ela se estava a divertir, e metê-la no carro, porque são horas de ir tomar banho e jantar, é conveniente termos algumas ideias na manga para utilizarmos quando chega o momento pelo qual fizemos a criança ansiar. Aqui deixo as minhas preferidas:

- dar banho à fruta (pôr a criança na banheira e deitar ameixas ou uvas lá para dentro, antes do sabonete, que ela vai comendo alegremente, enquanto relaxa e fica pronta para depois tomar banho a sério);

- brincar à plasticina com massa de biscoitos (uso uma receita simples, à base de manteiga, açúcar e farinha e, se os bonecos ficarem em boas condições, meto-os mesmo no forno e comemo-los depois do jantar);

- brincar com água (deitar alguns brinquedos para dentro do lava-loiça e deixá-la brincar num cadeira, se tiver idade para isso, claro, enquanto fazemos o jantar);

- regar as plantas (não costumo deixar, por isso nestes dias é uma alegria poder fazer isso, ou algo do género, que envolva jeito ou responsabilidade e que não é costume ser a criança a fazer);

- fazer uma surpresa ao pai (por exemplo, pôr a mesa de forma especial, como se fosse haver uma festa, apanhar um ramo de flores para enfeitar a casa, fazer um desenho ou cartão para dar ao pai quando chegar a casa, colocar bonecos no sofá com chapéus e colares a fingir que são visitas, etc.);

- pintar um quadro (tenho sempre telas, tintas baratas e um avental de plástico para estas ocasiões e eles pintam na cozinha, enquanto preparo o jantar);

- construir uma casa para um boneco (pode usar-se uma embalagem de cereais ou uma caixa de cartão e as tintas das pinturas. Basta abrir uma "porta" e uma "janela" com uma tesoura e eles ficam entretidos a fazer o resto);

- pintar caras na fruta ou em batatas (convém que sejam depois usadas para o jantar!).

... E para já não me lembro de mais. Divirtam-se a contornar as birras de forma criativa!











2 comentários:

Sandra DT disse...

FANTÁSTICO!!!

Isa Maria disse...

excelente texto. Tivesse eu ainda os garotos pequenos que teria aprendido e aproveitado as suas ideias.