sexta-feira, 11 de abril de 2014

Hiato



Chego à sala e não está ninguém. Mas algo me diz que não se trata de um simples atraso: a falta de objectos pessoais em cima das mesas sugere que, apesar de terem estado presentes na aula anterior,  os alunos não vão voltar.
A minha primeira reacção é de alívio: tenho tanto que fazer, que estas três horas me vêm mesmo a calhar. Aliás, é bom de mais para ser verdade – penso para comigo. O melhor é preparar as coisas, como se nada fosse, porque eles ainda podem aparecer.
Ligo o computador, tiro as colunas do saco, abro o dossier, ponho o estojo em cima da mesa. Ligo as colunas, insiro a senha para entrar no Windows, tiro a pen da pasta e insiro-a no computador. Ponho os óculos, sento-me, abro a página dos sumários online. E enquanto vou fazendo estes gestos não posso esconder de mim própria que sinto, além do alívio, uma desilusão frustrante que vai crescendo.
Sim, é verdade que tenho mais que fazer e que é um descanso poder guardar todos os recursos desta aula para a próxima. Mas a ausência dos alunos parece indicar que o que eu me proponho fazer por eles não é suficientemente interessante para os cativar. O silêncio que reina aqui neste momento grita dentro da minha cabeça que falhei, mais uma vez, enquanto professora.
Exagero, talvez. São adultos, têm vidas ocupadas, calhou terem todos outros compromissos no horário da minha aula. Mas as emoções não se vergam facilmente perante argumentos racionais.
E eis que se aproxima a professora que esteve com eles antes: não ia eu dar aula? Onde estavam os alunos? Na aula dela tinham vindo sete. Queria dar-lhes um recado, mas já tinha andado à procura deles e não os vira em lado nenhum. Andavam a faltar muito, era verdade. E ela já os avisara: se continuassem assim, tinham de ir a exame, acabavam-se as aulas. Chegamos à conclusão inevitável de que são uns irresponsáveis, são eles que ficam a perder, o costume. Ela vai-se embora e eu decido arrumar as coisas, para não prolongar a humilhação de estar ali à espera de uma espécie de esmola psicológica.
Exagero, sem dúvida. Mas os sentimentos são assim mesmo, como a areia do deserto que andou escondida a vaguear nas nuvens, até que caiu sobre as nossas ruas, sujando tudo com uma lama inesperada.
Desligo os aparelhos e arrumo tudo: colunas, pen, dossier, óculos, estojo. Nos meus dedos exprime-se uma certa ansiedade, a de ir embora antes que seja tarde, refugiar-me no gabinete, fazer outra coisa e esquecer este hiato. Desço as escadas e a auxiliar do edifício admira-se, porque os alunos saíram em bando da aula anterior, mas não se despediram nem deram a entender que não voltariam. Ironia das ironias, ela acrescenta: «é estranho, eles gostam tanto das aulas da professora…»
Sempre recebi uma esmolinha.

2 comentários:

Dulce disse...

Vi aqui por acaso... Tão bom saber que estás de volta. Gosto muito de ti, Sarinha.

tikka masala disse...

Obrigada, querida Dulce :) Eu de ti também! Tenho saudades da nossa viagem a Aveiro. E o passeio de barco ficou por fazer!