quinta-feira, 2 de junho de 2011

Mundo louco


Hoje o mundo em que vivo pareceu-me um lugar horrível, de um forma tão absurda e chocante que me levou às lágrimas. As pessoas estão a ficar loucas, foi o que concluí. Loucas com a tensão do dia-a-dia, com raivas e frustrações acumuladas, loucas por falta de tempo e de carinho e de solidariedade. Loucas e agressivas, perigosas, destrutivas e auto-destrutivas.
Ainda tenho as mãos a tremer, por ter constatado isto em meia hora de viagem para e da escola do meu filho. A meio do percurso, seguia eu pacientemente numa fila interminável de trânsito que hoje fluía mais devagar do que é costume, olho pelo retrovisor e vejo uma mulher fazer uma ultrapassagem perigosa, para ficar atrás de mim. Parecia muito ansiosa, falando e gesticulando nervosamente. Fiquei com receio que ela me batesse no carro, tal era a pressa. Começou a buzinar, pareceu-me ler-lhe "merda" nos lábios. À minha frente, a fila de carros não andava, a estrada estava completamente entupida. Mas ela não parava de buzinar e de ameaçar arrancar com o carro, como se fosse tentar passar por cima de mim e de todos os outros.
 Tive receio que ela fizesse uma loucura e saí do carro, para lhe ir falar. Vi, com espanto, que tinha um miúdo pequeno sentado no banco de trás, com um ar calmo e resignado. Perguntei:
«Precisa de alguma coisa?»
E ela, com a voz arrastada de desespero, quase a chorar:
«Preciso de chegar a casa depressa...!» E depois voltou a buzinar e a gesticular com impaciência, ignorando-me, como se eu estivesse sentada dentro do carro da frente.
«Não faça isso, por favor...» - pedi-lhe. «Quer que eu a leve?»
Não me lembro se ela disse que não. Mas deve ter tido vontade de gritar para que eu saísse da frente depressa. Talvez lhe faltassem apenas as forças. Achei melhor desistir e fazer o que imagino que ela pensou. Meti-me no carro e desviei-o, para que ela pudesse passar. Ela apressou-se a avançar e acabou por galgar o passeio, para poder ultrapassar toda a gente e seguiu a toda a velocidade, pela faixa da esquerda, que não tinha trânsito porque todos queriam virar à direita. Desejei que ela não tivesse nenhum acidente pelo caminho e que aquela criança pudesse, de algum modo, ser feliz. E comecei a chorar em silêncio, espreitando de vez em quando, pelo retrovisor, o meu filho, que foi calado e pensativo o resto da viagem.
Depois de o deixar na escola, no regresso a casa, o carro à minha frente meteu-se quase em cima de outro, num cruzamento. O condutor lesado na sua "sagrada" prioridade apitou furiosamente. Não satisfeito, e já depois de eu ter entrado na rua atrás dele, acabou por ultrapassar o atrevido, para espanto do que vinha em sentido contrário, que lhe acendeu os máximos em protesto, e parar repentinamente à sua frente. Saiu do carro, aproximou-se do condutor irresponsável e pôs-se a gritar, enquanto este saía do carro: «Eu tenho ali uma criança no carro!! E você ia-me batendo!!!» Esqueceu-se, claro, de que tinha acabado de fazer, também ele, uma ultrapassagem perigosa, e que agora estava a empatar todos os outros condutores e a fazer uma cena triste, para a sua criança ver.
Tive vontade de sair do carro e começar a gritar com ele. Ou abrir a janela do carro, mesmo ao pé do homem e dizer-lhe em voz tranquila: «o senhor, que está tão preocupado com o seu filho, acaba de dar um belo exemplo...». Claro que, em vez disso, ultrapassei-os assim que pude, para fugir dali o mais depressa possível. E as lágrimas voltaram a escorrer-me pela cara, em sinal de impotência, de frustração, de tristeza e de profundo desgosto.

5 comentários:

Luís Alves de Fraga disse...

Não tenha dúvida, as pessoas estão a viver sob tensão e tal facto resulta não só dos problemas individuais como também do estado emocional em que o país foi mergulhado por via da política e da crise. As pessoas temem o presente e o futuro. Há uma ameaça que paira sobre todos nós, porque o desconhecido está ali, ao virar da esquina. É o desemprego, são as falências, os cortes nos ordenados, a incerteza quanto à manutenção dos serviços de saúde pública, enfim, é tudo que está instável.
Permita-me um conselho: não se deixe enredar nesta armadilha, porque acabará por transportar para o trabalho e para casa preocupações que não são benéficas para ninguém.

Dulce disse...

Querida Sara, não chores. Olha à tua volta e procura o que ainda é belo. Sim?

Vida de Praia disse...

Susto!!! E no meio de tanta loucura e falta de consideração fiquei sensibilizada pela tua amabilidade.

tikka masala disse...

Eu não sei se foi amabilidade, se foi irresponsabilidade. Afinal, saí do carro e deixei lá o meu filho, para me habilitar a levar um soco de uma mulher fora de si. Mas sei que algo em mim me fez ignorar o perigo e aproximar-me dela. Porque, afinal, ela podia muito bem ser eu.

Vida de Praia disse...

Foi portanto a empatia que te motivou e baralhou as prioridades :-)