- Estou tão gira! - vangloriava-se a minha filha ao espelho, inocentemente feliz com a imagem que ele lhe devolvia, numa saudável variação das suas habituais inseguranças.
- És muito bonita, sim - disse-lhe eu. E algo em mim não resistiu a papaguear o lugar-comum - mas, sabes, a beleza mais importante é a que está dentro de ti.
- Como assim? - franziu o nariz. E explicou o motivo da desconfiança: - ó mãe, o meu coração não deve ser nada bonito!...
Percebi que estava a imaginá-lo carnudo, vermelho, um órgão palpitante, enquanto o corpo vive.
- Não é isso, querida! - Comecei eu, pensando que seria capaz de esclarecer o mal-entendido. - Por dentro quer dizer no teu espírito...
Nariz novamente franzido e um «hã?» bem humorado mas desconcertante.
- O que é isso? - Perguntou ela, desafiadora na sua ingénua ignorância. Ignorância? De repente pareceu-me todo o saber possível, no fim de contas.
- ...A tua maneira de ser! - atrevi-me a acrescentar, como se isso fosse sinónimo de espírito. E a desadequação das palavras que já tinha dito, bem como a das que ainda poderia tentar dizer, agrediu-me ao de leve, mas de forma assustadora, como o safanão de um fantasma.
- O que se passa no teu cérebro... - foi a minha última e risível tentativa para traduzir por outros miúdos o que eu tinha tentado dizer. Mas tudo o que nele se passa são sinapses, afinal. O que é que resta? Desisti.
2 comentários:
Isso é muito complicado agora, mas daqui a uns anitos vais ver que ela percebe ;-)
E a tua filha é muito bonita mesmo! :-)
:)
Beijo para ti.
Enviar um comentário