quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Querido avô,

Agora que está em paz, sem dores, sem desconforto, sem dificuldade em respirar, sinto aquele vazio que a morte traz quando nos apercebemos de que acabaram as oportunidades para dizer tudo o que falta.

O nó na garganta impedia-me sempre de dizer mais, de mostrar o quanto gostava de si e sentia que o avô também gostava de mim. Era boa essa cumplicidade silenciosa, mas não era suficiente. É sempre importante verbalizar o que sentimos de bom pelos outros, mesmo quando o facto de sentirmos parece suficiente. Porque, quando a morte do outro nos vem pôr a mão na boca, ficamos irremediavelmente com a sensação de que deveríamos ter sido claros, as palavras deveriam ter conseguido passar por cima desse nó de lágrimas por cair e chegado cá fora, para declarar o amor, a amizade, a admiração - sem deixar margem para dúvidas.

Sempre quis escrever as suas memórias, ouvi-lo contar as histórias incríveis da sua infância, saber pormenores da sua vida tão diferente da minha. Talvez fosse uma curiosidade leviana, interesseira, de quem antevê um enredo literário numa vida de sofrimento que só se afigura interessante porque não foi vivida em primeira mão. A infância passada no colégio interno porque nenhum dos pais, divorciados, queria tê-lo à sua guarda, a emigração para o Brasil, o regresso numa viagem penosa, com a filha tão doente que se pensou que não sobreviveria, os tempos áureos de ascenção no mundo do Karting e dos rallys... tudo isto, que me imaginei a registar para a posteridade, permanecerá um mistério para mim. Pouco importa, desde que a sua lembrança continue a viver comigo. Não importa nada, comparado com a dimensão das palavras que não lhe disse, do afecto que ficou por demonstrar.
Sei que me perdoa, porque também não era especialmente dado a manifestações de carinho. Sei que para si era suficiente aquilo que demonstrávamos. E para mim também, se não fosse agora este vazio. Mas é tarde de mais.

Fica apenas a festinha que ontem lhe fiz na cara, antes de sair do quarto do hospital. Até amanhã, avô!

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